Elena Ferrante e a luta através da escrita
Eu sabia muito pouco sobre Elena Ferrante e menos ainda sobre sua obra quando comprei o primeiro livro da Série Napolitana. A capa linda e o hype em torno de A Amiga Genial foram suficientes para me convencer.
Demorei um pouco para começar, sabia que se tratava de uma tetralogia, achei que precisaria dedicar um tempo para a leitura e então, acabei escolhendo outros livros, até que um dia despretensiosamente comecei. Foi amor à primeira linha.
Começar a ler a Amiga Genial é praticamente assinar um contrato concordando que terminará a série. Na minha visão é impossível abandonar a história. A escrita de Elena é tão impressionante que as 1.697 páginas se tornam um passeio.
Um passeio pela vida inteira de Lenu e Lila, por uma Nápoles violenta e pobre e por tantas histórias de mulheres oprimidas pelo patriarcado contadas de uma forma tão serena, que até os leitores pouco familiarizados com o feminismo devem ter sentido o aperto no peito.
Os quatro livros (A Amiga Genial, História do Novo Sobrenome, História de Quem Foge e de Quem Fica e História da Menina Perdida), publicados entre 2011 e 2014 na Itália, contam a vida de duas amigas desde a infância até a velhice. A narrativa é feita por Elena ou Lenu, e além de sua vida e de Rafaela ou Lila, muitos outros personagens permeiam todo o relato do início ao fim.
Ferrante escancara de forma comovente a influência do machismo na sociedade, expondo durante toda a narrativa situações como violência doméstica, restrição do acesso à educação para meninas, assédio e violência sexual, apropriação de ideias (bropriating), abandono afetivo, entre outras diversas dores cotidianamente experenciadas por mulheres durante toda a vida.
Além dos relatos terem um caráter bastante realista, fugindo de falas romanceadas, o que mais impressiona é a forma afiada como Elena (tanto a personagem quanto a autora) entrega essas memórias para o leitor.
Em uma demonstração clara de que as mulheres daquela sociedade estavam inseridas em uma realidade aterradora, mostra também como foi possível viver dentro de um sistema e lutar contra ele. Lenu e Lila foram subversivas e vanguardistas como elas puderam no contexto em que estavam inseridas. A coragem como enfrentam e sobrevivem a sofrida condição feminina de seu tempo me fez ver que mulheres como elas deixaram o mundo melhor para que nós vivêssemos os tempos de hoje.
Apesar da ocultação da identidade da autora, o que fica evidente quando se termina a leitura é que Lenu e Lila existem ou existiram. Não importa se tinham esses nomes, mas essas mulheres que lutaram e lutam para deixar o mundo melhor para as próximas gerações de meninas sempre existiu e está mais forte do que nunca.
Quando você lê a última página da obra, fica claro, Lenu e Lila são reais e nos ensinam que a luta é diária, e nem sempre precisa de grandes feitos, às vezes ela reside num simples gesto de dizer NÃO.
Advogada, especialista em gestão de pessoas. Sagitariana, as vezes com pés no chão, as vezes não. Apaixonada por cafés, vinhos, cachorros, viagens e liberdade. Aspirante a muitas coisas, entre elas, escritora.